O BRASIL TEM TRIBUNAIS, TEM LEIS, MAS NÃO TEM CORRUPTOS NA CADEIA


É cada vez mais difícil não concordar com João Mangabeira, o eterno menino-prodígio de Ilhéus, sobre os tribunais: 
– O Judiciário é o poder que mais falhou na República.
Da mesma forma, é cada vez mais difícil não discordar do ditador Getúlio Vargas sobre o mesmo assunto:
– A Constituição foi feita para ser violada como as virgens. 
A frase misógina de Getúlio ilustra muito bem a clarividência de Mangabeira. Vargas, o fantasma transmissor do fascismo no Brasil, representa na história nacional um dos marcos da mentalidade que defende a supremacia do Eu Governante acima das leis e dos tribunais.
Não é tarefa fácil livrar um país da impunidade, nem preocupação nova dotar o Brasil de tribunais que garantam o respeito a uma Constituição. A história brasileira contra a corrupção só ganhou texto constitucional, sobre atos de improbidade administrativa, pela primeira vez apenas em 1988. Antes disso, nos tempos da 1ª República, a missão estava apenas na língua e nos arroubos dos republicanistas. 



A Constituição de 1946 tratou do enriquecimento ilícito, penalizando o caso de abuso de função pública com a perda de bens. A "Constituição" de 1967 foi um pouquinho além, previu a perda de bens no caso de enriquecimento ilícito e também por danos causados ao erário no exercício da função pública. O berrante Ato Institucional n° 5, de 1968, garantiu ao presidente da República o poder de decretar sozinho o confisco de bens de todos que tivessem enriquecido ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública. 
A Constituição de 1988 redistribuiu o poder de fiscal, abrindo campo para a entrada de todos e de cada um, da sociedade e também do cidadão, como elemento de estabilização do sistema político corrompido. O princípio da moralidade passou a sujeitar toda a Administração Pública. Foi instituída a ação popular e os atos de improbidade administrativa passaram a suspender os direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. 
Em 1992 foi promulgada a Lei Federal n° 8.429, Lei da Improbidade Administrativa para punir casos de enriquecimento ilícito pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos. 
Hoje, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, CCJ, no Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), anunciou que o senador Alvaro Dias (PSDB-PR), será o relator do PLS 204/2011, que acrescenta dispositivo na Lei 8.072/90 para que os delitos de concussão, corrupção passiva e corrupção ativa na administração pública sejam incluídos entre os crimes considerados hediondos, além de aumentar a pena dos mesmos no Código Penal. Para Alvaro Dias, o projeto é amplamente apoiado pela população, que deseja um efetivo combate à corrupção. 

Nunca faltaram esforços para fundar no imaginário político nacional, na esfera mítica da República brasileira, um poder neutro, ouvinte, não afetado por interesses particulares. Contudo, apesar de inúmeras teses e propostas, a dose elevada de inconsciência institucional continua presente na realidade brasileira. Isso atropela a idealização e faz na percepção de muitos o sentido republicano virar um republicanismo piegas, sonhador, irreal e deveras ingênuo. 
Paralelo a todos os esforços de imprimir o selo republicano no serviço público brasileiro, nunca deixaram de existir conluios contra a coisa pública. Os interesses pessoais são craques em combinar jogadas, manipular, impor versões, sufocar, desanimar e excluir as vozes dissidentes. 
Tal algema, mordaça e conspiração desalentadora motivou Ruy Barbosa a lançar ainda em 1914 uma crítica geral sabidamente endereçada aos donos do poder nos diversos tribunais: 
– De tanto ver prosperar a desonra e a injustiça, de ver os poderes nas mãos dos maus, o homem desanima da virtude, da honra e tem vergonha de ser honesto.  
Quase um século depois, esse desabafo do Águia de Haia, continua não esquecido, sempre recitado em diversas formas por personagens diferentes, como o polêmico Coronel Telhada, da PM Rota de São Paulo, que citando Edgar Allan Poe nos fez lembrar Ruy Barbosa:
– Pior do que achar normal ser errado é considerar burrice ser correto.
A corrupção está mais preocupante. Cresceu em capilaridade, aumentou em escândalo, tenta formar opinião e impor um estilo. 
O corrupto vestiu as roupas do hedonismo, e não poderia ter escolhido associação mais adequada. Antes o corrupto envergonhado era discreto e procurava se refugiar nessa vergonha. Agora, o corrupto hedonista exibe os ganhos usurpados em festas. Contudo, o que vem fácil, vai mais fácil ainda. Apesar das vestes camufladas da prosperidade súbita, a freqüência esgota a dissimulação e leva o ícone da corrupção ao fracasso. Alguma mão invisível, para alguns uma providência, sempre interfere para desnudar a feiúra do corrupto. É quando cai o ilusório castelo de cartas viciadas erguido para o corrupto posar de rei.
Os sinais exteriores de um malefício sempre aparecem pelo contraste visível entre o que foi destruído, ou impedido de crescer, devido o ato corrupto.  
A corrupção não tem princípios. Expressa o anti-desenvolvimento. Aparece como atalho para pouco tempo depois revelar-se um descaminho, um beco sem saída. Por mais tentadora a promessa de resultados imediatos, a corrupção carrega a marca do atraso. Um corrupto, como uma alma penada, carrega o peso de atrasar o desenvolvimento das coisas, de promover a desigualdade, de reduzir as oportunidades a um número mínimo de pessoas. Não é fonte a derramar, mas cisterna a conter, e tal como água estagnada ninguém espera outra coisa senão o veneno.

Um corrupto nunca anda sozinho, tem preexistência em outro corrupto e tenta a sobrevivência no próximo a corromper. Como na fábula da mosca que aceitou o convite da aranha para jantar, há os que sabem e os que não sabem o que estão a fazer, situação que levou o jornalista Roberto Marinho a separar nos anos 80, em famoso editorial da Rede Globo de Televisão, o corrupto do corruptor. 
Ninguém associa-se a corrupção de forma consciente. A palavra tem origem no termo latino corruptione. Primeiro indicava um contexto biológico ou naturalista de decomposição, putrefação, associada ao ciclo da vida em que o corpo humano começa a perder vigor, força e vitalidade. Tempos depois, a corrupção biológica foi usada como paródia para justificar o mundo político, identificando sociedades débeis, sem capacidade de coerenciar os interesses individuais aos princípios de manutenção da vida coletiva, que fundamentam o conceito de Estado. Foi a partir dessa mundivisão que os liberais delimitaram a divisão entre Estado e sociedade, entre o público e o privado. 
A corrupção agora é compreendida não apenas do ponto de vista moralista, no plano das virtudes deterministas, da perfeição incansável. A corrupção passa a vigorar em uma forma objetiva, ultrapassando o plano subjetivo, como vício humano que viola as leis elaboradas pelos homens para o equilíbrio e eficiência do Estado. Ganha, portanto, objetividade e torna-se visível pela destruição de objetos e objetivos que provoca, revestindo o corrupto como um agente psicótico de práticas sem sentido de Estado, anti-social, anti-Estado. 
Assim também pensa o Banco Mundial e a ONU que conceituam a corrupção como um abuso do poder público para  proveito próprio. A Convenção Interamericana contra a Corrupção e a Convenção da ONU contra Corrupção enquadram o ato corrupto no mesmo prisma do egoísmo atávico. 

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