A QUALIDADE DO GASTO PÚBLICO DEPENDE DA QUALIDADE DO TRIBUNAL DE CONTAS


Pak Hung Mo, da Hong Kong Baptist University, calculou em 1999, através de métodos econométricos, que 1% de aumento na corrupção reduz a taxa de crescimento econômico em torno de 0,72%. 
Segundo tentam projetar, em diferentes estimativas, se a corrupção no Brasil fosse zero seria possível aumentar em 7% dos investimentos anunciados pelo governo federal, ampliar em 27% dos gastos nacionais com educação, dobrar o atendimento médico-hospitalar no SUS, sanear uma área de 25 milhões de moradias ou incluir cerca de 4 milhões de famílias nos programas de renda mínima. 
Para a FGV, a redução de apenas 10% no nível de corrupção aumentaria a renda per capita dos brasileiros em 50% em um prazo de 25 anos. 
De 2010 para 2011, o Brasil caiu da 69ª para 62ª posição no ranking mundial da corrupção, ficando abaixo de países como Belize, Tailândia, Trinidad-e-Tobago e Cuba; atrás ainda de Gana, Namíbia, Botsuana e Ruanda, países pobres da África; atrás de Colombia, Chile e Uruguai na América do Sul. 
As formas da corrupção brasileira são, segundo a Transparência Internacional, desvio de verbas públicas, compra de votos, nepotismo, caixa 2, informações privilegiadas, criação de firmas-laranjas, cargos-fantasmas, licitações dirigidas, superfaturamento de obras públicas e evasão de divisas. 



Uma pesquisa recente em 26 países da rede inglesa BBC, cita o Brasil como o país onde a população mais se declarou preocupada com a corrupção: para 96% dos brasileiros, a corrupção é "um problema nacional muito sério”.  
Contudo, o brasileiro ainda sabe muito pouco sobre as suas instituições. Olha para o Poder Legislativo sem saber o que fazem os deputados e senadores, não entende o Poder Judiciário, e só consegue enxergar quem ocupa os cargos executivos, sem a menor idéia do sistema e dos regimentos políticos, nem dos inúmeros instrumentos que fiscalizam, buscam regular, controlar e corrigir as instituições em descaminho. 
É difícil explicar como ter acesso aos serviços do Conselho Nacional de Justiça, para quem não sabe qual o serviço prestado pelos tribunais. A falta de conhecimento sobre como funcionam e se equilibram os poderes impede a participação mais efetiva do cidadão no Estado. 
Não há no Brasil um ambiente formador de uma cultura anti-corrupção, seja no mundo público nem no privado. As empresas brasileiras quase não têm programas de treinamento para ajudar seus funcionários a evitar a prática da corrupção. 
Nos Estados Unidos, 76% das companhias treinam funcionários para evitar a prática. No Reino Unido, 48%; na Holanda, 46%, na França, 24%. No Brasil, somente 18% das empresas têm algum programa preparatório sobre o assunto.
O desconhecimento da legislação é imenso. A maioria dos empresários brasileiros confessa a completa ignorância sobre as leis anti-corrupção e preferem reforçar a total descrença na validade das leis existentes, baseados na impunidade reconhecida como maior defeito do Poder Judiciário. 
Não é para menos. No sistema judicial brasileiro, os acusados têm direito a quatro instâncias de julgamento. Os que contratam bons advogados, retardam o cumprimento da pena, recorrendo a todas as instâncias. Em muitos casos, o crime chega a prescrever, impedindo que a determinação judicial venha a ser cumprida. O desfecho de uma demanda judicial, com o trâmite julgado, pode durar de 10 a 15 anos, em média. 
Em agosto de 2011, peritos do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime avaliaram o Brasil em relação ao cumprimento das obrigações estabelecidas na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção com base em números relacionados à atuação do Judiciário em crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e improbidade administrativa divulgados pelo Supremo Tribunal Federal, STF, e pelo Conselho Nacional de Justiça, CNJ. O resultado não foi bom. 
Até agosto de 2011, o STF tinha julgado apenas 108 processos sobre corrupção – 94 tratavam de improbidade administrativa; oito sobre crimes de corrupção e apenas seis sobre lavagem de dinheiro. Em 2010, o STF julgou apenas 88 processos de mesma causa. Em 2011, apenas 99 processos de corrupção transitaram em julgado no STF, não cabendo mais recurso para contestar a decisão. 
Se por um lado aumentou o número de julgamentos, por outro diminuiu a entrada de processos sobre crimes de corrupção no STF. Em 2011, entraram 129 processos novos, contra 178 em 2010, estranha proporção. 
A diminuição do volume de denúncias, antes de motivar comemorações, causa preocupação. Sugere a existência de operações-abafa no âmbito dos Tribunais de Justiça estaduais, assim como indica falhas nas inspetorias e nas investigações processados nos respectivos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos estaduais, geralmente controlados pelos governadores, sobretudo nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.  
Esse imaginário de impunidade explica porque os índices de confiança dos brasileiros pioraram de 2010 para 2011. A confiança no Congresso Nacional caiu de 39% para 35%; nos partidos políticos, caiu de 33% para 28%. O governo federal teve uma aprovação de 52%, o Judiciário com 49%, e as prefeituras com 47%. Até a confiança na Presidência da República caiu de 69% em 2010 para 60% em 2011. 
A desconfiança atingiu também os principais serviços públicos e a imprensa, 41% não confiam no sistema público de saúde; 55% não confiam nas escolas públicas; 65% não confiam nos meios de comunicação. Em 2010, a confiança nos hospitais públicos era de 47%; nos colégios, 60%; na imprensa, 67%. 
No quadro geral, são números bastante expressivos, reveladores de uma insatisfação nova, em trajetória ascendente, que parecem acompanhar o noticiário crescente sobre a corrupção ainda impune.  
De fato, os brasileiros estão mais informados sobre os escândalos. Cresceram as marchas de protesto e repúdio contra os corruptos que solapam impunemente o dinheiro público. Há uma tomada de consciência das oportunidades perdidas e dos benefícios não recebidos devido o roubo orquestrado pelas diversas quadrilhas formadas para desviar os recursos públicos da finalidade social planejada e anunciada. 
Contudo, muito pouco se tem feito para combater a mazela, sobretudo no âmbito da fiscalização e do controle externo das contas públicas. 
No órgão constitucionalmente encarregado de dar o primeiro combate a corrupção, os tribunais de contas, o voto que aconselha a impunidade é sempre acompanhado pela maioria dos conselheiros.  
A impunidade atua como um elixir para o crescimento da corrupção. Por isso, boa parte da impunidade que faz o Brasil perder tempo e dinheiro nos atalhos da corrupção, deve ser debitada na conta dos tribunais de contas.  
Não foi para não fiscalizar que os tribunais de contas foram criados. Os vencimentos dos conselheiros são equivalentes aos dos desembargadores. Seguem a resolução 13/2006 do Conselho Nacional de Justiça, CNJ. Um conselheiro goza ainda das mesmas vantagens dos deputados no Poder Legislativo, sem precisar enfrentar o teste das urnas. 
O conselheiro tem proteção e garantias constitucionais de sobra para exercer em plenitude, com isenção, imparcialidade, impessoalidade, o controle externo dos gastos públicos. Mas na prática, infelizmente, tal controle não acontece. Assim como nada justifica um policial-bandido ou um médico-assassino, nada justifica a promiscuidade escancarada entre conselheiros e governantes. Os governantes, fazem de conta que contratam dentro da lei. Os conselheiros, fazem de conta que fiscalizam e ainda aprovam as contas. 
Se os conselheiros em cargos vitalícios não sabem o circulo vicioso que instalam, os governantes, em cargos de curta duração, sabem muito bem usar o discurso das contas aprovadas como garantia do zelo e da honestidade de seus governos. 
Os governantes estão na política real. Preferem pactuar para não correr riscos. Alimentam o prestígio dos conselheiros e assim garantem a aprovação prévias de suas contas. 
Os conselheiros são os que mais perdem ao se deixar controlar por quem eles deveriam estar controlando. Tal descontrole piora a qualidade dos gestores e assim piora tudo. 
Eis a máxima, a qualidade do gasto público depende da qualidade do tribunal de contas. 
Além de fiscalizar um tribunal de contas deveria ter um papel de orientador, para prevenir erros, para corrigir falhas administrativas, para trabalhar em simultâneo com o executivo no melhoramento das licitações, das contratações e da execução dos contratos. 
Não faz o menor sentido para um homem público a perda de sua identidade institucional. Além de ilícita, a corrupção política é contraproducente. O homem político que se deixa corromper colocou o interesse particular acima do interesse público. E assim fazendo, faltou ao dever de quem se dedica ao exercício da atividade pública. 
A caixa d'água deste jogo sujo de poder começa a derramar o óleo deste pacto anti-país. A fratura está cada vez mais exposta, por três motivos. 
Primeiro, o aumento da arrecadação tributária, aumentou também o repasse dos governos para os tribunais, que passaram a celebrar contratos, executar obras, construir prédios e anexos. Hoje em praticamente todos os estados os tribunais constroem ou reformam prédios. 
Segundo, a maioria dos conselheiros são ex-deputados que ainda não se despediram das urnas. Sem lei que os proíba, passaram a usar o poder e os recursos públicos dos tribunais para aumentar a força política. Muitos elegeram filhos ou parentes para os cargos que ocupavam, filhos e parentes apoiados com o uso descarado de recursos dos tribunais. 
Terceiro, por aprovar as contas, alguns conselheiros passaram a também influenciar nos contratos. Encaminham dificuldades para vender facilidades.

O ápice desse óleo derramado aconteceu em três estados brasileiros, em São Paulo, Minas Gerais e no Ceará. 
Em São Paulo a juíza Márcia Helena Bosch, da 1.ª Vara da Fazenda Pública da Capital, decretou em 22 de novembro de 2011, o afastamento e o congelamento de bens do conselheiro Eduardo Bittencourt Carvalho. A medida foi inédita na maior corte de contas do País, com atribuição para fiscalizar todos os contratos de 644 municípios paulistas e da administração direta e indireta da super máquina pública de São Paulo. A ação civil da Procuradoria-Geral de Justiça pediu a indisponibilidade de todos os bens de Bittencourt – imóveis, cotas de sociedades empresariais, ativos financeiros, fundos de investimento, bônus, ações, títulos, jóias, quadros e obras de arte, automóveis e fazendas localizados no Brasil e no exterior.
Segundo denúncia da Procuradoria-Geral de Justiça em São Paulo, Bittencourt Carvalho enriqueceu na base da improbidade administrativa e da lavagem de dinheiro, acumulando uma fortuna de R$ 50 milhões entre 1995 e 2009, depositada em contas bancárias abertas como fazendeiro de gado no Lloyds Bank de Nova York e Miami, em duas offshores nas Ilhas Virgens Britânicas no Caribe (Justinian Investments e Trident Trust Company) e também no Credit Suisse. 
Acumular R$ 50 milhões em 14 anos é uma poupança impossível para quem recebia vencimentos mensais de cerca de R$ 30 mil. Para evitar a identificação de seu nome no fluxo ilegal de recursos, o conselheiro abriu duas contas sob titularidade de “Mezzanote” e outras duas em nome da Justinian. Nessas contas depositou “investimentos pessoais à margem do sistema financeiro e das leis brasileiras”. 
Segundo a ação, para evitar que seu nome fosse relacionado a negócios celebrados no Brasil pela offshore, ele nomeou como procurador o advogado Eros Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, “com amplos poderes para abrir e fechar contas e movimentar valores”. Eros não é acusado. 
Para movimentar os ativos da offshore, Bittencourt constituiu a Trident Trust, que abrigava cinco contas assim denominadas: General Star, Venus, Jazz, Azteca e Kiesser. Pelas contas da Justinian circularam US$ 9,73 milhões de abril de 1997 a fevereiro de 2005. Há indícios de que tais capitais possam estar custodiados em contas no Reino Unido (Tortola), na Suíça e no Uruguai. Nenhum desses bens foi declarado por Bittencourt. 
Na dissimulação de valores e bens, segunda fase da lavagem, o dinheiro da Justinian migrou para contas de terceiros, por meio de transferências para outras offshores, Conquest Limited e Tropical Worldwide, também sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas e controladas por brasileiros, “de relações pessoais com Bittencourt”, com cotas administradas por doleiros de São Paulo. Segundo a ação, para repatriar o dinheiro ilícito, o conselheiro integrou os valores ao patrimônio da Pedra do Sol.
A denúncia de Bittencourt Carvalho só aconteceu devido a uma crise de ciúmes de sua mulher depois da descoberta de uma amante 30 anos mais nova em um esconderijo de luxo nos Jardins paulistanos.
O caso do conselheiro Bittencourt serve bem de parâmetro para saber quanto um conselheiro de TCE pode conseguir arrecadar ao decidir abraçar a corrupção traindo a sua finalidade institucional.
Em Minas, três conselheiros do TCE – Elmo Braz, Wanderley Ávila e Antonio Carlos Andrada – foram indiciados por corrupção passiva e formação de quadrilha e prevaricação em julho de 2008. Além de enfrentarem um termo de ajustamento de conduta firmado pelo Ministério Público mineiro, obrigando a redução de salários e benefícios como adicional por tempo de serviço, quinquênios e abonos, proibidos pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional, os três conselheiros que formavam a cúpula do tribunal foram indiciados pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento com um esquema de fraude envolvendo a contratação do Grupo SIM – Instituto de Gestão Fiscal por prefeitura mineiras. 
Elmo Braz, Wanderley Ávila e Antonio Carlos "Toninho" Andrada eram respectivamente presidente, vice-presidente, e o corregedor  do tribunal. Foram acusados do recebimento de propina para não dar andamento a processos distribuídos a eles envolvendo contratos de prefeituras com o Grupo SIM que presta serviço de consultoria as prefeituras de Juiz de Fora, Divinópolis e Belo Vale. Só em Juiz de Fora, o contrato da empresa era de R$ 550 mil mensais. 
A Polícia Federal tem convicção de que os conselheiros “engavetaram” pelo menos três processos, relativos a contratos que o departamento técnico do TCE mineiro foi contra, contratos feitos sem licitação, sublinhe-se. 
Os três permaneceram em silêncio durante o interrogatório. Se fossem a julgamento, o caminho natural seria o cancelamento da prestação dos serviços do Grupo SIM com os municípios. Na avaliação dos conselheiros, a PF deveria ter pedido autorização ao Superior Tribunal de Justiça, STJ, para investigar os integrantes do TCE, porque os conselheiros de tribunal de contas têm foro idêntico ao de desembargadores.
Uma planilha encontrada na casa de um dos donos do Grupo SIM, Sinval Drummond de Andrade, foi uma das principais provas que a Polícia Federal encontrou para sustentar a participação dos conselheiros no esquema. No documento aparece o nome de um auditor do TCE, Edson Arger, que foi preso na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. 

Posted in . Bookmark the permalink. RSS feed for this post.

Leave a Reply

Busca

Swedish Greys - a WordPress theme from Nordic Themepark. Converted by LiteThemes.com.