RUBRICA 666, NEGÓCIO DE SOGRO PARA GENRO


Ironicamente toda esta zorra licitatória está na rubrica orçamentária de número 666, dentro do programa de "Modernização do Sistema de Controle Externo do Estado do Ceará".
Sabe-se apenas que o Anexolão é um prédio muito caro em relação a área total construída. O fato sinaliza que o TCE do Ceará encontra-se à mercê de comprar equipamentos em quantidades maiores do que precisaria para construir um prédio de oito andares, e que vai pagar preços muito maiores que os pagos na iniciativa privada para construir um prédio comercial de oito andares. 
Por que a obra pública tem que ser mais cara do que a obra da iniciativa privada? Por que um prédio comercial de oito andares feito com dinheiro público deve custar cinco vezes mais do que o mesmo prédio de oito andares construído pelos empreendedores privados? O cimento não é o mesmo? O tijolo não é o mesmo? A estrutura metálica não é a mesma. Por que o dinheiro é do povo, o dinheiro público precisa ser abusado, não merece respeito, pode ser gasto ao Deus dará? 


Segundo o Índice Nacional da Construção Civil (Sinapi), calculado pelo IBGE em convênio com a Caixa, o custo nacional da construção civil por metro quadrado, que em dezembro de 2011 foi de R$ 809,65, em janeiro de 2012 passou para R$ 814,43, sendo R$ 445,78 relativos aos materiais e R$ 368,65 à mão-de-obra. A parcela dos materiais apresentou variação negativa de –0,13%, recuando 0,35 ponto percentual em relação ao mês anterior (0,22%), enquanto a mão-de-obra subiu, com variação de 1,47%.
Custo por metro quadrado construído no Nordeste é o menor do Brasil. Mesmo com o aumento do índice, no Nordeste, o custo por metro quadrado está em torno de R$ 769,19, o mais baixo em comparação com as outras regiões brasileiras. 
Na tabela do Sinduscon-CE, o custo por metro quadrado de uma construção usando materiais nobres chega no máximo a R$ 900,00.
Dividindo a área total do Anexolão pelo valor global da obra, 5.900m2/R$ 23.091 milhões, chegamos ao metro quadrado de R$ 3.833,00, acima em muito de todos os índices que guiam o mercado da construção civil no Brasil. 

No Anexolão, o grande ponto de interrogação se refere às quantidades, não especificadas em projetos correspondentes apresentados na licitação. Um item de peso considerável no orçamento se refere a "Estrutura Metálica" – prédio, marquises, heliponto, escadas e rampa – no valor global de R$ 5.811.899,31 – 25,16% da obra. Especialistas em projetos de estrutura metálica entrevistados por esta reportagem estranharam que um prédio todo em estrutura metálica para dar sustentação a um heliponto vá consumir apenas 25% da obra. 
Na opinião de alguns projetistas, um prédio com estrutura toda em aço deve consumir de 30% a 35% da obra. Menos que isso, a estrutura pode não suportar o peso dos equipamentos e colocar em risco a segurança do prédio. 
O heliponto, pela pequena altura do prédio, exigiria ainda um projeto de Impacto de Vizinhança, estudo não apresentado, que necessita de licença por parte dos órgãos estaduais de meio ambiente, no caso cearense, a Semace. 
Na vago descritivo fornecido pelo TCE-CE, observa-se que apenas oito itens consomem 80% do orçamento da obra, somando R$ 18.728.884,58.


ITEM/DESCRIÇÃO/sem quantidade
VALOR/R$
ORÇAMENTO/%
Estrutura metálica – prédio, marquises, heliponto, escadas e rampa
5.811.899,31
25,16%
Instalações prediais
4.173.787,37
18,07%
Ar-condicionado
2.822.665,43
12,22%
Painel par assomamento térmico com acabamento tipo LDR da Dânica ou equivalente
1.982.130,78
8,58%
Granito
1.063.749,11
4,61%
Esquadrias de alumínio e vidro
984.439,68
4,26%
Divisória de vidro duplo, 6mm, com persiana interna
722.628,93
3,13%
Coberta em telha de alumínio termoacústica na cor cinza
611.615,05
2,65%
Laje em Steel Deck
555.968,92
2,41%

O item "Instalações prediais" chamou atenção de uma projetista desse ramo. Segundo ela, com R$ 4.173.787,37 é possível construir toda a instalação de um prédio residencial de 17 andares, de quatro apartamentos de 100 m2 por andar. Na opinião da especialista, o Anexolão tem as mesmas características de um prédio comercial que no máximo consumiria estourando R$ 1 milhão de reais no orçamento para todas as "Instalações prediais".
"Esse descritivo lembra aquela piada do prefeito que foi orçar um prédio com um japonês, um americano e um brasileiro. O custo do japonês apresentado ao prefeito foi de 3 milhões, "1 milhão de material, 1 milhão de mão-de-obra e 1 milhão de lucro"; o custo do americano foi de 6 milhões, "2 milhões de material, 2 milhões de mão-de-obra e 2 milhões de lucro"; e o custo do brasileiro seria de 9 milhões, "3 milhões para o prefeito, 3 milhões para mim e 3 milhões para o japonês construir a obra", brinca a projetista de instalações prediais. Como se pode ver, no Ceará todas as conclusões viram piadas. 
Se o valor unitário do Anexolão desmonta o TCE cearense pela relação quantidade x área construída, na comparação do valor global do Anexolão ao custo total de anexos construídos em outros estados, e até mesmo no Ceará, o resultado é ainda mais desastroso para "licitação" efetuada. 
No próprio estado do Ceará, o Tribunal de Contas dos Municípios construiu em dois anos uma nova sede de 8.000m2 por R$ 13 milhões – R$ 10 milhões a menos que o Anexolão e com dez vezes mais serviço a realizar. 
No Tocantins, constroem um prédio de 5.732,66 m2 para o tribunal de contas por R$ 11.690,199,00, vai abrigar a Presidência, as Relatorias, as Diretorias de Controle Externo, o corpo especial de auditores e ainda o Ministério Público de Contas. 

Na Concorrência Pública nº 001/2011, Processo Nº 06265/2010-6, o preço global foi de R$ 24.361.600,18 – valor estimado do contrato REGIME DE EMPREITADA POR PREÇO UNITÁRIO. 
Segundo o edital, há uma lista de projetos que acompanham o Projeto Básico: Arquitetura, Paisagismo, Ambientação, Sinalização e Identidade Visual e Projetos de Instalações. Todos resultados das cartas convites. Foi vedada a participação de consórcios ou grupos de empresas e exigiu-se que as empresas tivessem a experiência comprovada na: 1) execução de edificações de 6.000,00m2 de área construída; 2) execução de estrutura metálica com, no mínimo, 260 toneladas; 3) execução de edificação com fechamento em vidro temperado ou laminado com área de 3.000m2; 4) execução de instalação elétrica, compreendendo os serviços relativos à instalação de subestação com capacidade de, no mínimo, 1.500KVA, combinado com Grupo Motor Gerador com capacidade de, no mínimo, 650KVA; 5) execução de instalação de sistema de Ar Condicionado com 1 Central de água gelada com, no mínimo 140TR de capacidade; 6) execução de instalação de rede estruturada de dados e voz, com capacidade de, no mínimo, 400 estações e 7) realização de, no mínimo, 280 fusões em fibras óticas devidamente certificadas conforme EIA/TIA 606A.
Neste edital um dos itens chamou a atenção, pelo total absurdo. O item 4.5 diz que o orçamento básico servirá apenas como orientação, sendo de responsabilidade da licitante o levantamento dos quantitativos e preços, obtidos em função do projeto e especificações fornecidos pela contratante. Além de comprovar que as cartas convites não serviram para absolutamente nada, ainda admite-se que não existe projeto básico/executivo para o orçamento. Dessa forma, sem memorial de preço rígido, como realizar uma concorrência baseada no menor preço? Não é possível.
Mais uma vez nas assinaturas da procuradora jurídica Maria de Fátima Siqueira Costa e do procurador-geral Antônio Jairo Lima Araújo, aparecem para validar a frouxidão do edital, pois assim afirmou a procuradoria jurídica do TCE, “... sob o aspecto jurídico-formal, a minuta do edital e seus anexos estão aptos a produção dos efeitos jurídicos almejados...”

Várias empresas cearense compraram o edital – Engexata, Marquise, JMB, Moraes Vasconcelos, Magnum Engenharia, Targa Tecnologia, Pacomol, Época, Edicon, Potencial –, mas nem todas participaram do certame. 
No final da concorrência, ficaram apenas três construtoras: 1) Magna Engenharia Ltda, de Demerval Castelo Branco Diniz Filho; 2) a Edicon Comércio e Construções Ltda, de Daniel Mesquita Magalhães; e 3) a Targa Tecnologia Ltda, de Geraldo Cabral Rola Filho. 
A empresa vencedora foi a Targa Tecnologia Ltda, de Geraldo Cabral Rola Filho, casado com a filha de Demerval Castelo Branco Diniz da Magna Engenharia Ltda. Foi um negócio de sogro para genro, pois a Targa Tecnologia ficou a única empresa do certame simplesmente porque a Magna Engenharia não apresentou as inscrições das Fazendas públicas Estadual e Municipal e assim foi desabilitada. Dá para acreditar que não tinha? 
A desabilitação da Edcon Comércio e Construções Ltda, foi também inexplicável, porque a empresa não apresentou o atestado do item 6 (f) do edital, comprovando já ter contratado uma empresa capaz de executar a instalação de rede estruturada de dados e voz, com capacidade de, no mínimo, 400 estações.

O caso sugere a anulação da Concorrência devido tantas e seguidas impropriedades identificadas nas primeiras investigações independentes do processo licitatório, tomado por contratações que não realizaram os quantitativos que poderiam formar o preço confiável para a projeção de um orçamento básico. Está inadequado o orçamento-base da licitação, na análise observa-se com facilidade a ausência de quantitativos, ausência do projeto básico de arquitetura, ausência das composições de custos unitários. É o caso de recomendar ao TCE que busque, junto à empresa responsável pela elaboração do projeto executivo, a correção dos problemas encontrados no referido projeto e correspondente orçamento, sem ônus para o tribunal. Além de comunicar à Comissão de Fiscalização e Controle da Assembléia que foram detectados indícios de irregularidade, assim como ao Ministério Público estadual, cabendo ainda consulta ao Ministério Público Federal se há algum dinheiro federal na obra, porque durante o ano de 2010, quando ainda era o presidente do TCE, Teodorico Menezes não fez outra coisa que pressionar a bancada federal cearense a destinar  R$ 10 milhões do Orçamento Nacional para a construção do anexo do tribunal. A proposta foi encaminhada aos três senadores e aos 22 deputados federais no sentido que fizessem emendas ao Orçamento 2011 alegando a necessidade de uma melhor estrutura física para o tribunal, tentando que a construção do prédio anexo, o Anexolão, recebesse mais recursos do que o Tribunal Regional do Trabalho, a Polícia Federal, e a Universidade Federal do Ceará receberia para o Hospital Universitário, para o Campus de Sobral e do Cariri ou para a construção do Centro Cultural do Benfica, ou para a aquisição de tanques de resfriamento para a bacia leiteira, modernização da defesa civil, ampliação da infra-estrutura dos laboratórios do Embrapa, recuperação dos perímetros irrigados do DNOCS.
O que mais choca nesse escândalo do Anexolão é o contraste entre as imagens do primeiro escândalo com a maquete eletrônica do segundo escândalo. a imagem de um casebre com banheiro de palha, contra um prédio de fachada em vidro; a imagem de um casebre de taipa contra um prédio de estrutura metálica; a imagem de um casebre de chão de barro batido sem vaso sanitário, água encanada ou esgoto, contra um prédio de vidro, de estrutura metálica e com heliponto. 
Certamente, ironiza quem conhece os pormenores da obra, além de sete novos gabinetes para sete conselheiros, outros cinco gabinetes serão construídos no Anexolão, para sediar as associações fantasmas de Pindoretama, Cascavel, Horizonte, Chorozinho e Pacajus, que funcionavam em um quarto sem porta de um motel em construção.
O escritor Mario Vargas Llosa dá um conselho de estilo no seu livro Cheiro da Pobreza: "Desenvolvimento não é o telefone ou a internet, mas o vaso sanitário". O Ceará, um dos estados mais pobres do mundo, com índices de país africano, parece viver fora do conselho de estilo feito pelo prêmio Nobel de Literatura em 2010, tamanho é o disparate entre a necessidade popular e a corrupta megalomania governante.

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